- Mas o fogo é proveniente então eu acho que deve ser executado.


O jornaleiro passa nas ruas gritando alto:
- A bela moça de cabelos dourados e sorrisos fáceis está de volta, ela foi encontrada: Angelina Kraus, Angelina Kraus!

Enquanto a mãe, rabugenta, séria e boa conhecedora do mundo amarra seu espartilho com certa brutalidade, Angelina dá pequenos gritos de dor e desabafa sonhos trancafiados dentro de si mesma Dona Rosemary aumenta o tom de voz, não se conforma com o fato de sua filha mais velha ser a mais torta de todas. 

Clarisse Kraus é o orgulho da família casou-se com um bancário bem sucedido com 14 anos, Roberta Kraus tem 18 e é herdeira de muitos valores por ter casado com o velho dono da fabrica da automóveis, que morreu por causa desconhecida sete dias depois do casamento, tem dois filhos e agora está indo para o segundo marido, dono de uma fabrica de tecidos finos...
Cíntia Kraus com 20 anos tem todas as regalias da cidade pois seu marido é prefeito... 
Já Valentina é a que mais entende da irmã mais velha... Angelina... 
Ah Angelina.

A menina com 22 anos, sorriso de anjo, feições delicadas e nada levado a sério saiu da pequena e pacata Cidade das Gotas e foi para cidade grande. Era uma aventureira e o que queria mesmo era seguir com a carreira de atriz, nada a segurava e os gritos e tapas de sua mãe só davam a ela mais coragem para seguir em frente.

Fugiu com o circo assim que seu pai Carlos Kraus decidiu que já era hora da filha mais velha se casar. Ela tinha apenas 13 anos e o pretendente era o mesmo marido agora falecido de sua irmã Roberta.

Como sempre Angelina chegou tarde em casa, era boêmia, apesar de todas as pessoas amarem aquela garota, em 1851 e em uma cidade pequena senhoras da Igreja e futriqueiras da cidade viviam olhando torto como era de se esperar. 

Angelina por sua vez, gostava mesmo era de aparecer, gostava de ser o centro das atenções, só não era livre...

Ao 5° badalar do sino da cidade, as serviçais invadem o quarto de Angelina abrindo cortinas e janelas rapidamente, Rosemary arranca Angelina da cama aos tapas e gritos como sempre. A menina ainda um pouco sonolenta levanta também gritando. A noite passada tinha ido a uma cidade vizinha com amigos e alguns conhecidos num baile daqueles que Angelina mesmo comandava e fazia questão de durar a madrugada inteira, foi ali que reencontrou Robert, o músico, o garoto da sua adolescência que ela deixou quando fugiu com o circo...

Mas enquanto se lembra de alguns momentos da noite anterior, a voz estridente de sua mãe entra por sua cabeça... E então sente o aperto do espartilho esmagando seu estomago e fazendo ela sentir o enjoo como era quando criança.

Quando a mãe termina, aos gritos e passos fortes chega até a entrada do quarto de Angelina, olha bem no fundo dos olhos castanhos da menina e resmunga algo como "você não deveria ter nascido", Angelina ri nervosa, e a mãe bate a porta com toda a força gritando para ela descer o mais rápido.

Angelina vai até a enorme janela, deixa algumas lágrimas caírem, volta a frente do espelho e o pó de arroz e carmim caem perfeitamente no seu rosto, ela esboça um sorriso falso. Quando finalmente desce, encontra vários homens sérios, velhos, e aparentemente chatos na sala de estar. Clarisse, Roberta e Cíntia estão como sempre e evidentemente usando da maior falsidade e interesse para agradar os homens desconhecidos que desagradam Angelina... 

Enquanto Angel fica encostada por trás da porta dourada e com flores em relevo no vidro observando triste, aquela família que nunca te pertenceu além dos homens idiotas, tolos e ricos que a família almeja. Sente falta de Valentina, que chega por trás dela, a irmã ruiva com cachos delicados caindo sobre os ombros, certa e ajuizada, mas que admira tanto Angel por ser livre de espirito e não levar a vida tão a sério como todos faziam ali, ela era um ano mais nova e parecia ser a mais velha das irmãs, não falava nada, sonhava calada e tinha um poder de persuasão e liderança que a assustava a si mesma, a única que sabia de segredos da sua vida era Angel.

- Vai ficar tudo bem minha irmã, tudo bem.

Elas se abraçam, Angel começa a chorar baixinho e enfim levanta a cabeça e aperta a mão da irmã bem forte, entra na sala e sauda os convidados.

Depois de 2 horas falando o que eles queriam e decidindo sobre a vida de Angelina, um velho barbudo, meio cego e um pouco surdo chega perto da moça e ela se retrai, a mãe faz um sinal severo para ela agir como deve agir. Nessa mesma hora Robert passa na rua e Angel fica corada, o desejo era sair correndo dali, fugir  como fez a anos atrás com o circo. 

Robert a reconhece, os dois trocam olhares enquanto a família diz o quanto a menina Angelina é talentosa se esforçando o máximo para impressionar os homens naquela sala, e finalmente casar a filha solteira aos 22 anos. 

Angelina e Robert trocam olhares, e ela volta a realidade que ela  tanto despreza, começa a pensar o que está fazendo ali, Robert começa a andar de novo e o velho cego e quase surdo começa a fazer planos: Angelina iria sair da cidade, morar em outro pais, casar com o velho cego e quase surdo e, bom... 

Nunca mais iria ver Robert de novo, estava sendo obrigada a fazer isso porque foi encontrada por policiais com o circo e se não ficasse ali se tornaria uma fugitiva.

Seus olhos se enchiam de lágrimas ao ver Robert partir, Valentina percebeu logo, foi a única testemunha do grande amor da vida de sua irmã, e se pudesse teria fugido também.

Sem mais esperanças, sem nada a dizer nem nenhum sorriso, com um belo vestido e um espartilho apertado, vendo seu amor e sua felicidade ir embora pela janela... 

Vira a taça inteira do vinho velho na garganta, faz sinal para Valentina, levanta num pulo assustando todos naquela sala, cheia de gente e mesmo assim totalmente vazia, abraça Valentina:

- Eu te amo muito minha irmã, vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, eu prometo, mesmo de longe eu estarei junto a ti!

Pula a janela, deixando todos aflitos e Valentina chorando orgulhosa... 

Angel rindo como uma fugitiva faria, respira fundo e sai correndo, afrouxando o espartilho e soltando o cabelo gritando por Robert, quando finalmente o alcança, pula na sua bicicleta e diz em meio ao desespero e a adrenalina :

 - VAI, VAI ,VAI, CORRE ROB, CORRE!!!!

 - Louca, você é louca, eu sabia que viria !

Olham para trás, começam a rir, e vão o mais rápido que podem, para qualquer lugar longe dali, sem destino, sem preocupação, sem nada.

Apenas juntos .




                                                                                                                               Lectícia Péttine

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